sábado, 11 de junho de 2016

Ninja Jiraya na Porta.

Um único cigarro no maço... O ultimo rolo de papel com tabaco dentro e com um filtro de sei lá o quê! como tomar um café preto com apenas um cigarro? Sabendo que exatamente 2 horas após aquele café acordativo, voltaria a precisar de mais nicotina? "Maldito escravo", resmungou baixinho por entre a barba preta e espessa, mesmo sabendo que estava só naquele apartamento nascente escaldante. Falou baixo pois de alguma forma, aquele resmungo servia como uma confissão, a aceitação de que estava errado sobre sua capacidade de ser livre. 
Anos antes, quando ainda morava numa cidade interiorana à 365 Km da bela e tropical capital baiana, Salvador, sua mãe repetirá sem parar: "Vai ficar escravo dessa merda (cigarro), Nathanael!". A sua mãe descobriu uma carteira cheia de camels no bolso do fundo da calça e jogos todos no lixo, antes destruiu um por um com as próprias mãos. Agora, ali, diante do cigarro solitário do maço, da xícara de café preto, sentado sobre um banco que trazia desconforto a sua coluna ecoava em sua cabeça o "Na-than-na-el" que sua mão professara naquele dia fatídico. 
Pensava enquanto dava o primeiro trago... "Na-than-na-el". O gole de café preto se misturava a fumaça que não conseguiu expelir por completo, "Na-than-na-el". Nicotina e cafeína no inicio da manhã. "Que merda de escolha foi essa que te trouxe até aqui, Nathanael?"
O relógio corria, o café no final e o cigarro quase no filtro. Estava se aproximando a hora de assumir seu posto de administrador de um pequeno restaurante oriental no bairro de Nazaré. “De Nazaré pode sair algo de bom?”, pensou, antes de ser interrompido por um barulho na porta. Ao abri-la lá estava o Iori Massumi. 
Conhecido como"Jiraya", Iori era gordo para o padrões nipônicos, suado demais para os padrões japoneses, indisciplinado demais para os padrões orientais. "Oh, samurais! Onde vocês erraram para gerar essa criatura?" pensou Nathan ao se deparar com a figura na sua porta.
Iori está diferente do normal, suava mais do que o normal, estava vestido mais estranho do que o normal, com um agasalho que jamais combinaria com o calor baianamente escaldante. Apesar do normal do Jiraya ser algo bastante dilatado e fluído, como fazia questão de registrar sempre Nathan desde que se conheceram em um show mequetrefe de bandinhas de hardcore e punk de baixa qualidade nos porões de prédios antigos no pelourinho, frequentados por ambos na adolescência soteropolitana.
Nathan sempre fora mais disciplinado, tipico garoto do interior solto na capital, morria de medo de perder de ano, de ficar louco para sempre fumando maconha, de tomar um "não" das meninas, de não conseguir se sustentar sozinho aos 30, de não conseguir morar fora do país, de não aprender inglês, de morrer sozinho... A cada transgressão juvenil a consciência pesava, afinal, sua mãe solteira estava no interior lutando para dar-lhe boa vida. 

Já Iori era descolado, afoito, quase sem medo, excelente aluno logo desprezava as disciplinas e a escola, sua família tinha mais condições então gozava de mais segurança e sempre se segurou na máxima "Se tudo der errado, mando tudo se fuder e vou para o Japão", sempre mandava tudo se fuder. Aliás, a unica coisa que levava a sério além dos jogos de internet, da musica eletrônica, do cinema e das programações era o estudo da língua japonesa. Nessa relação entre brothers cabia a Iori criar os problemas e a Nathan resolve-los.
Dos shows nos prédios antigos do Pelô passando por terem frequentando a mesma escola de classe média descoladinha de Salvador no bairro do caminho das arvores e fumado maconha nas mesmas praças da Pituba, construíram uma amizade sólida e fraterna. Foram juntos a Praia do Porto da Barra no verão flertar com garotas enquanto seus colegas estavam em casa estudando para o vestibular, mataram aulas para ir com a turma da escola no Shopping comer Big Steaker duplo, com refil de refrigerante infinito e assistir sessões de cinema baratas. Se embebedaram bastante tomando cervejas e outros destilados de baixa qualidade nos isopores nas noites do Largo de Santana, "Na Dinha". Toneladas e toneladas de acarajés e abaras consumidos, e a sempre inconciliável questão: "Que acarajé é melhor? Dinha ou Cira?" Gritaram muitas vezes juntos gol nas arquibancadas no fundo das traves da direita do Estádio Manoel Barradas, ao lado da Torcida Imbatíveis, vendo o glorioso Rubro-negro baiano jogar! Foram muitas vezes ao MAM, fumar e paquerar diante do mar verde da Bahia e do jazz.
A paquera funcionava da seguinte forma, Iori menos tímido abordava educadamente com seu molejo baiano inserindo em seguida seu comparsa nas rodas femininas. Nathan, tinha dificuldade de "chegar" mas tinha desenvoltura ao sair. Nem um dos dois eram "tipões", mas com lábia e um pouco de sabedoria oriental, obtinha sucesso satisfatório.

Diante daquele corpo curvado nas sua frente, com grandes olheiras Nathan perguntou amistosamente:
- Qual foi zé ruela? Enquanto pensava: "olha o transtorno que o Nippon Maru me trouxe".


- Ressaca fodar man, tem o que comer nessa casa? A pele amarela suava, grandes gotas de suor se formavam ao redor da boca pálida.
- Tem ovo e pão, sua cara tá péssima. Moveu-se em direção a geladeira.
- Porra, então... fiz uma merda... Falou ofegante o Iori para Nathan.